sábado, 25 de outubro de 2008

O Bêbado e a Equilibrista: um ode à Liberdade de expressão

João Bosco e Aldir Blanc a compuseram; outros nos mostraram como cantá-la, mas só Elis nos ensinou a senti-la.
A impressionante e primorosa interpretação de Elis Regina de "O Bêbado e a Equilibrista" é muito mais que um simples cantar de uma música, ou declamar de um poema: é um tapa na cara, um colírio pros olhos e um apelo ao coração...
Essa canção - sem dúvidas uma das mais belas já produzidas no seio da música brasileira - é um verdadeiro ode à Liberdade. Um protesto em nome daqueles que se foram pro exílio, não por covardia ou desprezo à sua terra, mas pelo temor da ditadura reacionária, intransigente, vil; é um apelo à vida e ao direito à livre manifestação do pensamento.
Porém, enquanto houver um bêbado com chapel-côco (artista) a dar asas à equilibrista (esperança), o medo dos tempos sombrios desaparecerá, como a tarde que cai feito um viaduto...
O Bêbado e A Equilibrista
COMPOSIÇÃO: João Bosco e Aldir blanc
Caía a tarde feito um viaduto/E um bêbado trajando luto/Me lembrou Carlitos.../A lua/Tal qual a dona do bordel/Pedia a cada estrela fria/Um brilho de aluguel/E nuvens!/Lá no mata-borrão do céu/Chupavam manchas torturadas/Que sufoco!/Louco!/O bêbado com chapéu-coco/Fazia irreverências mil/Prá noite do Brasil./Meu Brasil!.../Que sonha com a volta/Do irmão do Henfil./ Com tanta gente que partiu/Num rabo de foguete/Chora!/A nossa Pátria/Mãe gentil/Choram Marias/EClarisses/No solo do Brasil.../Mas sei, que uma dor/Assim pungente/Não há de serinutilmente/A esperança.../Dança na corda bamba/De sombrinha/E em cada passo/Dessa linha/Pode se machucar.../Asas!/A esperança equilibrista/ Sabe que o show/De todo artista/Tem que continuar...



terça-feira, 21 de outubro de 2008

HÉROIS DO COTIDIANO

“Às vezes, a melhor vista que temos de Deus vem do inferno”. Essa frase foi proferida por um personagem de um grande filme de terror americano que assisti a alguns dias e, claro, despertou imediatamente minha curiosidade. Não só pelo fato de ser esteticamente original ou por ser carregada de um forte sentido herege – o que já seria mais do que suficiente para prender a minha atenção -, mas sobretudo pelas idéias que injetou na minha mente dali em diante!
Puxa vida, pois não é que é verdade mesmo! Pense bem: de fato, a maioria das pessoas só se lembra da existência de Deus quando estão passando por momentos de sérias dificuldades, ou quando finalmente despem seus olhos da venda da hipocrisia e percebem que o inferno fica logo ali na esquina, e que o cheiro do diabo, rondando a freguesia, é mais azedo que o que se pode suportar. Ou então quando quebram a cara no muro e não enxergam nenhuma saída eficiente para a solução dos seus problemas, necessitando, assim, urgentemente da providência de algo ou alguém superior a si mesmas. Necessitando da existência de heróis...
A nossa sorte é que, graças a Deus, eles existem. E sempre estão ao nosso lado, durante toda a vida, para o que der e vier. Mas, onde podem ser vistos? Nos seriados de TV ou nos desenhos animados? Nada disso, meu caro. Estão muito mais próximos. Basta abrir os olhos e enxergar ao redor...
Eles sobrevivem nos conselhos dos nossos pais, que, quando ainda somos crianças, nos ensinam a amar e respeitar o próximo, senão "o Papai Noel não trará presentes no Natal", lembra?; Nas lições diárias dos professores, mestres e doutores da desilusão, que nos oferecem conhecimento empírico, em troca de deixarmos de ser tão tolos, pois "o Papai Noel está morto e congelado no Pólo Norte"; nas palavras daquele velho amigão do peito, que compreende nossos mais profundos desejos e não titubeia em erguer as mãos para realizá-los; No carinho suave das prostitutas, velhas terapêutas de homens cansados, frustrados no casamento, no trabalho e na vida. E essas erguem as mãos y otras cositas más!!!
Pensar na vida sem esses heróis é superestimar demais a eficiência dos homens. É acreditar que possuímos a fórmula mágica para solucionar todos os nossos problemas. E não é bem assim. Se assim fosse, não precisaríamos uns dos outros pra absolutamente nada.
Ora, queria eu ter o caminho perfeito e mais fácil pra tirar o meu sofrido Vascão do perigo do rebaixamento e não ter que vislumbrá-lo sempre como freguês corriqueiro do Flamengo; a rota exata pra não ter mais que ir à faculdade toda noite, na tentativa de ser alguém na vida, com a ajuda de livros e de professores - a maioria bem problemática.
Mas, pensando bem, não queria, não...
Apesar de tudo, comunicarmo-nos com os outros nos torna mais fortes e menos óbvios. Mais interessantes até pra nós mesmos. Porque depender dos outros, ao mesmo tem em que revela a nossa incrível fragilidade e impossibilidade de sermos auto-suficientes, também revela nossa grande capacidade de interagir com outras idéias e formas de pensar; o nosso poder de mudança e de evolução espiritual; de encontrarmos soluções efetivas, através de perspectivas as mais diversas.
É lógico que eu desejo ajudar o Vasco a continuar na primeira divisão, mas é muito melhor somar o meu desejo ao de milhões de outros vascaínos e, juntos, encontrarmos um caminho mais eficiente para que isso aconteça; é óbvio que eu quero crescer na vida e mostrar que sou competente e capaz de gerir meus negócios, mas é importante saber que outras pessoas se preocupam com esse meu propósito e, para isso, estudaram e publicaram suas idéias em livros; e é evidente que eu quero sentir os prazeres na vida, mas depois perde a graça se tentamos fazer isso sempre sozinhos, concorda?!
A frase inicial foi retirada do filme Exorcismo: o início. Mas bem que poderia ter saído da Bíblia...

domingo, 19 de outubro de 2008

Rio Largo, curiosa cidade!

Rio Largo é uma cidade bem curiosa. Andar por ela nos dá a mera sensação de que o tempo está parado, de que as histórias não mudaram, que o povo não evoluiu, que o Mundaú não regressou ao mar, que as pinturas da cidade antiga são o retrato do hoje imutável e que tudo está como sempre foi, pra sempre...
E isso nos dá um estranho prazer de viver aqui. A imobilidade dos casarões antigos; da imponente fachada do Judith Paiva; dos muros amarelados e cobertos de lodo do antigo fórum municipal; da ruína secular da antiga fábrica de tecelagem; da velha senzala, no centro da cidade, trancafiada na sua mudez irônica; das largas ruas com grandes pedras de asfalto, convidando a imaginação a um delicioso passeio de bonde – embora por aqui nunca tenha passado um. Ah, mas tem o doce apito do trem!
Tudo parece dizer que somos hoje o que seremos depois de amanhã, e que o “futuro” é apenas uma palavra bonita, criada e praticada muito além dos muros da cidade. Daí você pode perguntar, caro leitor: como viver nesse suposto atraso, nessa ausência quase absoluta de progresso, pode causar algum prazer em alguém? Então, meu amigo, eu lhe respondo, com toda a convicção e com a propriedade que a experiência de causa me proporciona: não sei. É também um mistério pra mim.
Quiçá porque tudo seja apenas um desejo inconsciente da minha alma, ou um reflexo dos romances antigos no meu olhar sobre essas ruas. Talvez o progresso tenha chegado, sim. Há sinais por todos os lados tentando abris os meus olhos. O comércio promissor, as indústrias, o aeroporto internacional, a internet, os cursos de idioma, os discursos políticos exaltando a entrada do município no século XXI...
Isso pode parecer saudosismo. Mas gosto de imaginar que estou viajando no tempo, que faço parte de cada minuto da história desse lugar, mesmo sabendo que a realidade às vezes se impõe sobre os meus olhos. É mesmo curiosa essa cidade!