sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

UMA QUESTÃO DE ESCOLHA....

“Assim que o homem parar de pensar que é mal, ele enfim deixará de sê-lo”. Quando Nietzsche escreveu essa máxima, no seu brilhante livro “Aurora”, de 1881, ele se referia principalmente ao péssimo hábito do homem de se menosprezar diante das igrejas e dos valores cristãos. De se sentir inferior e limitado e, dessa forma, descontar nos seus iguais a essência da sua própria fraqueza. De não conseguir enxergar a real dimensão das suas forças e capacidade ininterrupta de evolução. De perceber, enfim, que o progresso só é mesmo possível quando todas as idéias são livres e os preconceitos banidos.
Porém, refletir sobre o pensamento de Nietzsche nos permite ver um pouco mais além. Por exemplo...
Essa semana eu estava conversando com uns amigos, num barzinho da faculdade, sobre o direito de os homossexuais serem livres e poderem expressar sua orientação sem obstáculos ou imposições. Na ocasião, todos fomos unânimes em afirmar que a discriminação e a violência aos gays são um covardia e precisam ser combatidas permanentemente. Entretanto, alguns fizeram ressalvas, alegando que a maior fonte da discriminação aos homossexuais estaria atrelada ao modo “espalhafatoso” de agir deles.
“Isso não é necessário. As pessoas podem até ser homossexuais se quiserem, mas não precisam demonstrar isso com atitudes bizarras”, chegou a dizer um deles. Essa é uma generalização absurda e descabida, mas não é com isso que estou preocupado no momento...
O que eu me pergunto exatamente é o seguinte: que idéia as pessoas têm de liberdade: um direito de todos ou um privilégio de poucos? Quando finalmente perceberemos que a liberdade de expressão é muito mais que poder dizer o que se pensa, mas respeitar o direito do outro de se manifestar livremente também?
Penso que a liberdade plena não pode ser encarada como um fim, mas como um princípio. Concordar com isso é concordar também que qualquer forma de manifestação humana, desde que obedeça a padrões éticos, não tem que ser julgada, mas entendida e respeitada. A diversidade existe e deve ser tolerada, não tem outro jeito.
Como sugere Nietzsche, a maldade do homem reside nos seus próprios preconceitos. Ser mal, portanto, é uma questão de escolha.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

CAVALO DE DUAS PATAS ( por Sônia Cândido)

No final da 32ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo foi exibido o filme: Cavalo de Duas Patas (2008) da cineasta Iraniana Samira Makhmalbaf ( A Maça; O Quadro Negro e às Cinco Horas). A história é chocante: Um homem procura um menino para transportar nas costas seu filho deficiente físico que perdeu as pernas ( e a mãe) durante a guerra (Ira e Iraque) quando pisaram em uma mina terrestre. Depois de uma estranha competição, um menino (que tem uma certa deficiência mental) é escolhido e pou um dólar ao dia, ele deve transportar a criança sem as pernas de casa para a escola e de volta para casa, como um cavalo de duas patas.
O filme me causou uma sensação muito forte, pois me fez pensar que a cineasta está apresentado a situação atual do Irã (e de suas crianças e jovens) e das sociedades em todo mundo, pois existem outros temas tratados no transcorrer de 01:40 h. Quando saí da sessão do cinema estava transtornada pela dor aguda que as imagens haviam provocado em mim. Eu gosto muito de filme iraniano e, aprecio particularmente, o trabalho da Samira. O Quadro Negro já é um filme bastante contundente, mas o Cavalo de Duas Patas é muito, muito, muito mais.
Esse filme estava na lista dos meus favoritos, mas ontem ele se tornou o melhor filme que vi durante a 32 Mostra.
Ontem, depois de ter ido ao Museu da Língua Portuguesa, tudo foi resignificado. Ao acompanhar a instalação na praça da língua (3º andar) me deparei de repente com um trecho do capítulo 9 do livro: Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), intitulado: O menino é o pai do homem. Nesse trecho Machado de Assis descreve a ação de um menino, filho de um senhor de engenho, transformando Prudêncio, um escravo, em seu cavalo. Quando ouvi e li o fragmento imediatamente lembrei do filme e, claro, do agudo senso visionário machadiano. Foi tão intensa a sensação que senti que não contive as lágrimas.
Quando fui à exposição sobre os 100 anos de nascimento de Machado outra surpresa me aguardava: há um quadro(1899) do pintor J. H. Papf intitulado: Bába com criança. Detalhe: a bába está em posição de 4 (é assim que se fala?) e a criança está montada em suas costas como quem brica de cavalinho. Aliás, as crianças gostam de brincar de cavalinho, não é? Jung e o inconsciente coletivo? Ao lado da pintura o trecho machadiano se repete.
O texto do Machado... A Pintura do Papf... O filme da Samira... Apesar do tempo que os separa parecem ter sido tecidos juntos. O que sabem eles sobre a complexidade?
Saudações fraternas.
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* Sônia Cândido é doutora em Antropologia Cultural. Atualmente leciona no curso de Teatro da Universidade Federal de Alagoas.

terça-feira, 4 de novembro de 2008

APESAR DE TUDO, SER LIVRE!


O direito à livre manifestação do pensamento, bem como o direito de ir e vir e da liberdade sexual, são bens intocáveis e irrefutáveis para o desenvolvimento de um espírito democrático no meio social. Ter a possibilidade de expor opiniões; de fazer escolhas; de tomar decisões pessoais por meio de julgamento próprio; de criticar abertamente tudo aquilo que nos incomoda e de propor soluções aos erros que enxergamos no cotidiano não são direitos inerentes ao ser humano, mas conquistados a duras penas, através de muita luta, travada por aqueles que sempre acreditaram e ainda acreditam que a felicidade só é mesmo possível quando aliada à irrestrita liberdade do ser.
Ora, mas disso todo mundo já sabe (ou deveria saber). Ou porque escutou numa conversa, leu em algum livro ou assistiu num programa de TV. Além do mais, esse vem sendo um assunto batido e debatido amiúde nas escolas, universidades e ONGs das mais diferentes siglas.
De falta de informação ninguém pode se queixar!
O problema, meus amigos, é que tudo parece entrar por um ouvido e sair pelo outro, como se esse papo de “direitos” e “deveres morais” só fizesse efeito de verdade nos discursos de papel. Na vida real, as coisas seriam bem diferentes: “quem manda é quem tem dinheiro”, ou “rico nunca vai pra cadeia”. Típica argumentação do senso comum.
Mas uma coisa é certa: a defesa da liberdade de expressão vem, a cada dia que passa, ganhando uma conotação quase que angelical, com pouca ou nenhuma conexão com a realidade. E isso não acontece por acaso...
Levantar as bandeiras do combate às diversas formas de opressão parece confundir-se, aos olhos da sociedade, com a retórica política ou com os discursos dos velhos moralistas de sempre. Infelizmente. A banalização desse tipo de defesa nada mais é do que o resultado de uma contaminação torpe, promovida por aqueles que não estão nem um pouco preocupados com a luta pela liberdade do homem, mas apenas com a satisfação dos seus desejos imediatos.
Trocando em miúdos, o discurso da liberdade de expressão se enquadra atualmente em objetivos extra-coletivos, como vencer uma eleição política ou conquistar uma imagem ilibada perante a sociedade, por exemplo. Reflexo de uma sociedade capitalista/ individualista, onde a promoção da própria imagem é mediada por uma lógica de mercado: os produtos mais qualificados e em melhor preço aparecem no topo das vendas, ao passo que os demais tendem a invalidar-se nas prateleiras dos supermercados. Augusto Comte chamava isso de Darwinismo Social.
Quer dizer então que tudo está perdido e que devemos desistir?
Claro que não!
Um homem não pode existir sem uma ética que o defina, nem um norte que o oriente. E tudo depende, não só do meio cultural no qual nasce, cresce e evolui como cidadão, mas também de suas próprias escolhas.
Eu posso escolher me conformar com tudo e não lutar por nada. Achar que o mundo, apesar de injusto, não é tão ruim pra se viver e que não sou o culpado das mazelas existentes. Posso até concordar que um pensamento hegemônico se sobressaia ao meu, se considerar que isso será bom pra todo mundo...
Ou posso me rebelar, por acreditar que o que eu tenho a dizer também tem muito valor. Que as minhas idéias podem sim fazer a diferença, mesmo que muitos não concordem com ela. Que eu posso até gritar se quiser, mesmo que as mãos dos mais fortes insistam em me amordaçar.
Eu prefiro ser livre, apesar de tudo...

sábado, 25 de outubro de 2008

O Bêbado e a Equilibrista: um ode à Liberdade de expressão

João Bosco e Aldir Blanc a compuseram; outros nos mostraram como cantá-la, mas só Elis nos ensinou a senti-la.
A impressionante e primorosa interpretação de Elis Regina de "O Bêbado e a Equilibrista" é muito mais que um simples cantar de uma música, ou declamar de um poema: é um tapa na cara, um colírio pros olhos e um apelo ao coração...
Essa canção - sem dúvidas uma das mais belas já produzidas no seio da música brasileira - é um verdadeiro ode à Liberdade. Um protesto em nome daqueles que se foram pro exílio, não por covardia ou desprezo à sua terra, mas pelo temor da ditadura reacionária, intransigente, vil; é um apelo à vida e ao direito à livre manifestação do pensamento.
Porém, enquanto houver um bêbado com chapel-côco (artista) a dar asas à equilibrista (esperança), o medo dos tempos sombrios desaparecerá, como a tarde que cai feito um viaduto...
O Bêbado e A Equilibrista
COMPOSIÇÃO: João Bosco e Aldir blanc
Caía a tarde feito um viaduto/E um bêbado trajando luto/Me lembrou Carlitos.../A lua/Tal qual a dona do bordel/Pedia a cada estrela fria/Um brilho de aluguel/E nuvens!/Lá no mata-borrão do céu/Chupavam manchas torturadas/Que sufoco!/Louco!/O bêbado com chapéu-coco/Fazia irreverências mil/Prá noite do Brasil./Meu Brasil!.../Que sonha com a volta/Do irmão do Henfil./ Com tanta gente que partiu/Num rabo de foguete/Chora!/A nossa Pátria/Mãe gentil/Choram Marias/EClarisses/No solo do Brasil.../Mas sei, que uma dor/Assim pungente/Não há de serinutilmente/A esperança.../Dança na corda bamba/De sombrinha/E em cada passo/Dessa linha/Pode se machucar.../Asas!/A esperança equilibrista/ Sabe que o show/De todo artista/Tem que continuar...



terça-feira, 21 de outubro de 2008

HÉROIS DO COTIDIANO

“Às vezes, a melhor vista que temos de Deus vem do inferno”. Essa frase foi proferida por um personagem de um grande filme de terror americano que assisti a alguns dias e, claro, despertou imediatamente minha curiosidade. Não só pelo fato de ser esteticamente original ou por ser carregada de um forte sentido herege – o que já seria mais do que suficiente para prender a minha atenção -, mas sobretudo pelas idéias que injetou na minha mente dali em diante!
Puxa vida, pois não é que é verdade mesmo! Pense bem: de fato, a maioria das pessoas só se lembra da existência de Deus quando estão passando por momentos de sérias dificuldades, ou quando finalmente despem seus olhos da venda da hipocrisia e percebem que o inferno fica logo ali na esquina, e que o cheiro do diabo, rondando a freguesia, é mais azedo que o que se pode suportar. Ou então quando quebram a cara no muro e não enxergam nenhuma saída eficiente para a solução dos seus problemas, necessitando, assim, urgentemente da providência de algo ou alguém superior a si mesmas. Necessitando da existência de heróis...
A nossa sorte é que, graças a Deus, eles existem. E sempre estão ao nosso lado, durante toda a vida, para o que der e vier. Mas, onde podem ser vistos? Nos seriados de TV ou nos desenhos animados? Nada disso, meu caro. Estão muito mais próximos. Basta abrir os olhos e enxergar ao redor...
Eles sobrevivem nos conselhos dos nossos pais, que, quando ainda somos crianças, nos ensinam a amar e respeitar o próximo, senão "o Papai Noel não trará presentes no Natal", lembra?; Nas lições diárias dos professores, mestres e doutores da desilusão, que nos oferecem conhecimento empírico, em troca de deixarmos de ser tão tolos, pois "o Papai Noel está morto e congelado no Pólo Norte"; nas palavras daquele velho amigão do peito, que compreende nossos mais profundos desejos e não titubeia em erguer as mãos para realizá-los; No carinho suave das prostitutas, velhas terapêutas de homens cansados, frustrados no casamento, no trabalho e na vida. E essas erguem as mãos y otras cositas más!!!
Pensar na vida sem esses heróis é superestimar demais a eficiência dos homens. É acreditar que possuímos a fórmula mágica para solucionar todos os nossos problemas. E não é bem assim. Se assim fosse, não precisaríamos uns dos outros pra absolutamente nada.
Ora, queria eu ter o caminho perfeito e mais fácil pra tirar o meu sofrido Vascão do perigo do rebaixamento e não ter que vislumbrá-lo sempre como freguês corriqueiro do Flamengo; a rota exata pra não ter mais que ir à faculdade toda noite, na tentativa de ser alguém na vida, com a ajuda de livros e de professores - a maioria bem problemática.
Mas, pensando bem, não queria, não...
Apesar de tudo, comunicarmo-nos com os outros nos torna mais fortes e menos óbvios. Mais interessantes até pra nós mesmos. Porque depender dos outros, ao mesmo tem em que revela a nossa incrível fragilidade e impossibilidade de sermos auto-suficientes, também revela nossa grande capacidade de interagir com outras idéias e formas de pensar; o nosso poder de mudança e de evolução espiritual; de encontrarmos soluções efetivas, através de perspectivas as mais diversas.
É lógico que eu desejo ajudar o Vasco a continuar na primeira divisão, mas é muito melhor somar o meu desejo ao de milhões de outros vascaínos e, juntos, encontrarmos um caminho mais eficiente para que isso aconteça; é óbvio que eu quero crescer na vida e mostrar que sou competente e capaz de gerir meus negócios, mas é importante saber que outras pessoas se preocupam com esse meu propósito e, para isso, estudaram e publicaram suas idéias em livros; e é evidente que eu quero sentir os prazeres na vida, mas depois perde a graça se tentamos fazer isso sempre sozinhos, concorda?!
A frase inicial foi retirada do filme Exorcismo: o início. Mas bem que poderia ter saído da Bíblia...

domingo, 19 de outubro de 2008

Rio Largo, curiosa cidade!

Rio Largo é uma cidade bem curiosa. Andar por ela nos dá a mera sensação de que o tempo está parado, de que as histórias não mudaram, que o povo não evoluiu, que o Mundaú não regressou ao mar, que as pinturas da cidade antiga são o retrato do hoje imutável e que tudo está como sempre foi, pra sempre...
E isso nos dá um estranho prazer de viver aqui. A imobilidade dos casarões antigos; da imponente fachada do Judith Paiva; dos muros amarelados e cobertos de lodo do antigo fórum municipal; da ruína secular da antiga fábrica de tecelagem; da velha senzala, no centro da cidade, trancafiada na sua mudez irônica; das largas ruas com grandes pedras de asfalto, convidando a imaginação a um delicioso passeio de bonde – embora por aqui nunca tenha passado um. Ah, mas tem o doce apito do trem!
Tudo parece dizer que somos hoje o que seremos depois de amanhã, e que o “futuro” é apenas uma palavra bonita, criada e praticada muito além dos muros da cidade. Daí você pode perguntar, caro leitor: como viver nesse suposto atraso, nessa ausência quase absoluta de progresso, pode causar algum prazer em alguém? Então, meu amigo, eu lhe respondo, com toda a convicção e com a propriedade que a experiência de causa me proporciona: não sei. É também um mistério pra mim.
Quiçá porque tudo seja apenas um desejo inconsciente da minha alma, ou um reflexo dos romances antigos no meu olhar sobre essas ruas. Talvez o progresso tenha chegado, sim. Há sinais por todos os lados tentando abris os meus olhos. O comércio promissor, as indústrias, o aeroporto internacional, a internet, os cursos de idioma, os discursos políticos exaltando a entrada do município no século XXI...
Isso pode parecer saudosismo. Mas gosto de imaginar que estou viajando no tempo, que faço parte de cada minuto da história desse lugar, mesmo sabendo que a realidade às vezes se impõe sobre os meus olhos. É mesmo curiosa essa cidade!