quarta-feira, 17 de junho de 2009

A Maçã no Escuro: o renascer do homem segundo Clarice Lispector

Discorrer sobre a complexidade da natureza humana não é mesmo uma tarefa das mais fáceis. Somos indivíduos formados por um verdadeiro turbilhão de idéias, confluência de sensações e desejos, construção e desconstrução da nossa própria realidade. Abarcar essa confusão, que nos define e nos alimenta, na dureza fria e limitada das palavras, pode parecer leviano para alguns, impossível para muitos, mas um hábito simples e constante na produção literária da genial Clarice Lispector.

Em A Maçã no Escuro, romance da década de 60 e um dos melhores livros de sua autoria, Clarice traz à tona o misterioso destino de Martim, rapaz perseguido pela idéia confusa e indefinida de supostamente ter cometido um crime, o qual ele próprio se julga incapaz de compreender. Determinado a livrar-se da confusão interior na qual se vê encurralado e sem o controle de si mesmo, o homem decide fugir para um lugar o mais distante possível, apagar todos os vestígios do passado e refazer sua própria natureza humana.

O enredo, quase todo desenvolvido no cenário bucólico de uma fazenda no meio do nada - onde Martim passa a se relacionar com personagens-chave na sua tentativa de auto-reconstrução – guarda muita semelhança com a gênese da criação humana descrita pela Bíblia. A atitude de Martim, nessa comparação, se identifica com a postura do Criador, por se considerar capaz de reconstruir a si mesmo e, nessa sensação de onipotência, se perceber possuidor de todas as coisas que existem.

O romance, de linguagem densa e rebuscada, convida o leitor para uma reflexão profunda sobre as diversas “máscaras” que vestimos no dia-a-dia e os papéis que “interpretamos” nas relações cotidianas com o próximo. O desejo de Martim em se tornar outra pessoa, renegando a si mesmo, lança luz ao problema da perda de identidade do indivíduo em sociedade, que procura se adequar a padrões de comportamento pré-definidos pelo temor de ser tido como um “estranho”.

Poucos escritores conseguiram até hoje nos fazer perceber a nós mesmos numa obra literária com a habilidade e a maestria singulares de Clarice Lispector. Seus textos intrigantes, herméticos em muitas passagens, mas inexplicavelmente compreensíveis no mais íntimo de nossa essência, conseguem nos conduzir ao subconsciente, ao nascedouro dos desejos, das paixões, frustrações, alegrias, tristezas, medos.

Uma escritora no sentido mais completo da palavra, que transcendia os limites da lógica sem deixar de ser racional; que ultrapassava os limites da subjetividade sem cair no lugar-comum da filosofia barata.

13 comentários:

Josuel Santos disse...

muito bom o texto. Uma escritora com Clarisse meresse um bom texto como o seu.
Parabens

Unknown disse...

Me encantou a forma em que escreveu o texto, sua sensibilidade e bom gosto exalaram a cada palavra. Excelente trabalho, fico feliz e honrada em poder comentar tão fantástico escrito.

Unknown disse...

Boa, Caio, gostei dos textos! Minha primeira vez aqui... parabéns!!!
Abração.
Evaldo josé
PS - tá merecendo um "q lindooooooo" para a Clarice..rsrsrsr

Luuh disse...

não tinha visto essa obra da Clarisse ainda. Mas a forma como o texto foi escrito está excelente ... parabéns !!!

Bocão disse...

Caio fantastico, me deu vontade até de ler esse livro!

Como sempre você mostra algo que é um espetáculo!

Eduardo Passos disse...

Uma análise muito precisa e bem escrita! Parabéns pela leitura e pelo texto!

Unknown disse...

Ah! Clarice é como um dry martíne, amargo e doce ao mesmo tempo, delicioso mas não se pode tomar muito de uma vez só!
Adoro Clarice, mas tenho ímpetos de sair correndo gritando toda vez que leio algo seu, por isso, vou lendo em doses homeopáticas...
porém seu texto me deixou com vontade de me "embreagar"...
PaRaBéNs!!! pelo texto vc está cada vez melhor!

Narcélio Lima disse...

fiquei realmente curioso para ler o livro. Admiro a escritora e confesso ser pouco conhecedor de sua obra.
abraço

Focas do meu Brasil disse...

Clarice realmente é sensacional. E o texto de Caio dá, para quem ainda não leu, vontade de mergular no mundo da "Maçã no escuro" e de se apaixonar por Clarice, melhor escritora brasileira sem dúvidas. Parabéns Caio.

Leandro Lourenço disse...

conheço apenas um livro dela, no qual gostei muito. Mas, pela ótima qualidade do texto parece que esse é tao bom quanto o que eu li. parabens

Aurení Ramos disse...

Adorei!
Como sempre idéias claras, posicionamente embasado e inteligente...Clarisse não mereceria um comentário inferior sobre uma de suas obras.
Vc é Jornalista nato, com ou sem diploma! Grande beijo, meu queridO!

disse...

Legal seu blog, estudante de jornalismo, amante do melhor time do mundo e muito inteligente rs só qualidades. Deu até vontade de ler o livro. Tenha uma ótima semana querido beijos Lô.

J.C. Cavalcanti disse...

Ótimo texto. Eu realmente me senti influenciado a ler o livro. Sua descrição é singular.

Abraço